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Linha de pesquisa

              A anidrobiose (do grego, “vida sem água”) é um estado altamente estável de animação suspensa no qual algumas espécies entram diante de situações de desidratação extrema (dessecação). Durante esse estado verdadeiramente ametabólico, os anidrobiontes se tornam as estruturas biológicas mais tolerantes relatadas pela ciência. Por exemplo, quando estão em anidrobiose (dessecados), eles são capazes de tolerar diversos tipos de estresses físicos-químico-biológicos, tais como: extremos de temperatura (-273,1 ºC, +151 ºC); irradiação com prótons (10.000 Gy); radiação ultravioleta (5.500 kJ/m2); pressão hidrostática (7,5 GPa); vácuo artificial (2,9 x 10-8 Pa); hiperaceleração (400.000 x g); microgravidade (10-5 x g); exposição a condições cósmicas (vácuo espacial e radiação solar);  imersão em acetonitrila 99,8%, em 1-hexanol, em 1-butanol, em etanol 100% ou em glicerol puro; 99,9% de D2O; anóxia em atmosfera de argônio, de nitrogênio, de CO2 ou de H2S; fumigação com o biocida brometo de metila (50 g/m3); exposição a carzinofilina;   confinamento  em   metal   líquido/sólido  ( 99,99% Gálio); e infecção

Imagem: Organismo anidrobionte Panagrolaimus superbus em desidratação. Fonte: Arquivo do laboratório. (Mantenha o mouse/cursor sobre a imagem para ver a dinâmica).

por um fungo letal (Rotiferophthora angustispora). De maneira intrigante, os anidrobiontes conseguem reativar seu metabolismo quando as condições ambientais se tornam novamente favoráveis, por exemplo, durante as chuvas (reidratação). Naturalmente, a porcentagem de sobreviventes e a existência de efeitos secundários na longevidade e fertilidade dependerão do tempo de exposição ao agente estressor. O exemplo mais notório de anidrobionte é o tardígrado, porém, espécies anidrobiotas são encontradas em todos os reinos (bactérias, fungos, plantas, protistas e pequenos animais invertebrados).

            A anidrobiose corresponde a uma classe de um fenômeno mais amplo denominado criptobiose (do grego, “vida escondida”). Estados criptobióticos são aqueles nos quais o metabolismo do organismo está reduzido a um nível indetectável até mesmo pelas mais sensíveis técnicas de análise do presente. Portanto, verdadeiramente, a criptobiose é um estado de animação suspensa, e pode ser desencadeada pela dessecação (anidrobiose), frio (criobiose), ausência de oxigênio (anoxibiose), elevadas concentrações de toxinas (quimiobiose) ou de solutos (osmobiose). Nesse sentido, a criptobiose se apresenta como uma violação de um paradigma central da biologia, isto é, que o metabolismo não pode ser reversivelmente interrompido. Pesquisadores desta área de investigação argumentam que a criptobiose é o terceiro estado da organização biológica, sendo os outros dois a vida e a morte.

              Embora a anidrobiose tenha sido descrita há mais de 300 anos, as investigações genéticas sobre esse fenômeno se iniciaram apenas recentemente. Assim, o intuito do nosso laboratório é conhecer as bases moleculares deste fascinante processo, visando compreender como elas possibilitam a tolerância a diferentes tipos de estresses. Estes dados possibilitarão o desenvolvimento de tecnologias de conservação de amostras biológicas a seco e a temperatura ambiente, por meio da Engenharia Anidrobiótica (EA). Na medicina, esse avanço potencialmente permitirá o armazenamento de biomoléculas dessecadas, o transporte de vacinas sem refrigeração e a preservação de órgãos para transplantes por períodos mais longos de tempo. Na agricultura, a EA poderá permitir a proteção de plantações diante de estiagens intensas e prolongadas.

            Durante os primeiros 10 anos do nosso laboratório (2010-2019), os focos foram: (i) realizar análises de genética reversa (RNAi/CRISPR) para se identificar genes associados à anidrobiose e (ii) investigar a tolerância de anidrobiontes a diferentes tipos de estresses físicos ou químicos. Nesta segunda década (2020-presente), o laboratório iniciou estudos comparativos entre as estruturas tridimensionais de proteínas de anidrobiontes versus não anidrobiontes, objetivando identificar divergências (nos níveis primário, secundário e especialmente terciário) que ajudem a explicar a fantástica poliextremotolerância destes organismos.

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